Disputa de igrejas em presídios interessa ao sistema, não aos presos, diz especialista da USP

Segundo o professor da Faculdade de Educação da USP, Roberto da Silva, especialista em educação em regimes de privação de liberdade, na disputa por espaço nos presídios para a assistência religiosa prestada por diversas igrejas, quem perde é o preso.

 

Na opinião de Roberto, esse trabalho seria mais útil se rompesse o campo da fé em ações mais concretas, voltadas à formação do detento.

 

O domínio das vertentes evangélicas, que pode até trazer consolo espiritual aos detentos, reduz a visibilidade das violações aos direitos da população carcerária e atende sobretudo aos interesses dos diretores de presídios e ao sistema prisional como um todo, afirma o especialista.

 

“O avanço conservador em todos os setores se repete nas prisões e até em centros de cumprimento de medidas socioeducativas, como a Fundação Casa, no estado de São Paulo, onde setores evangélicos ganham espaço e a Pastoral Carcerária, católica, perde. Essa configuração é de interesse dos diretores de presídios, do sistema como um todo porque a Pastoral é reconhecidamente mais voltada para a denúncia das violações de direitos. E a ação de algumas igrejas evangélicas se limita à doutrinação, proselitismo, ensino de textos bíblicos e não trabalha com essa dimensão da formação política”, afirma.

 

Silva viveu durante 14 anos em diferentes unidades da antiga Febem paulista e por outros sete anos na Casa de Detenção, antes de se formar em Pedagogia pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e fazer mestrado e doutorado na USP, tornando-se referência no tema e orientador de pesquisas e estudos no Brasil e em Angola.

 

Para ele, os diretores de presídio gostam e aceitam o trabalho das igrejas, porque a atividade religiosa oferece para os presos “algo que o diretor não consegue oferecer”: os envolvidos nessas atividades são os que menos dão trabalho. “Deliberadamente, nenhum diretor cerceia o trabalho de entidades religiosas. A não ser quando há um clima de disputa entre elas.”

 

Moeda de troca

 

Na última sexta-feira (23), a Pastoral Carcerária divulgou pesquisa feita com 235 agentes de todo país, exceto do Tocantins. Dos entrevistados, 51,5% afirmam que a unidade prisional que visitam já suspendeu a visita religiosa sem prévio aviso ou de forma arbitrária. Outros 41,7% acreditam que o tempo destinado às visitas da Pastoral é insuficiente para anteder à demanda pela assistência, e 40% afirma que o número máximo de agentes por visita não é suficiente. E mais da metade (55%) apontam a burocracia e lentidão para cadastramento de novos agentes, o que desestimula potenciais voluntários da Pastoral. Clique aqui acessar a pesquisa na íntegra.

 

A pesquisa “Assistência religiosa em prisões do Rio de Janeiro: um estudo a partir da perspectiva de servidores públicos, presos e agentes religiosos (e uma proposta de recomendação à Seap)”, realizada pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser), revelou que em 100 instituições com assistência espiritual aprovada pela Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap), 81 são igrejas evangélicas, sendo 47 de denominação pentecostal, 20 de missão e 14 de outras origens.

 

“Eu já vi casos de juízes de execução penal e promotores de filiação evangélica que incrementam isso dentro das prisões. Há pressão de diretores de segurança e disciplina porque os grupos evangélicos têm contribuído financeiramente com diretores de prisão. Os católicos não ajudam”, afirma.

 
FOLHA GOSPEL

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