Pastora da Assembleia de Deus, Ana Paula de Barcellos é o nome do ministro Barroso para vaga no STF

Em meio às especulações sobre quem poderá ser o evangélico indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) para uma das vagas de ministro do STF que se abrirão nos próximos anos, o nome de uma jurista que é pastora da Assembleia de Deus foi ventilado por um dos atuais integrantes da Corte.

 

Luís Roberto Barroso, considerado o mais progressista dos ministros que formam o Supremo Tribunal Federal (e também visto como um dos mais intransigentes no combate à corrupção), foi questionado se caso pudesse sugerir um evangélico, qual seria o nome que indicaria, e não foi o do juiz Marcelo Bretas, responsável pela Lava Jato no Rio, e sim o de “uma das maiores juristas brasileiras que é evangélica”: Ana Paula de Barcellos, 44.

 

Em quase uma hora de conversa com a jornalista Anna Virginia Balloussier, da Folha de São Paulo, uma coisa fica clara: se o ministro está entre os mais progressistas na régua ideológica do Supremo, pode-se dizer o contrário daquela que considera Luís Roberto (só o chama assim, pelo primeiro nome) como seu mentor.

 

Os dois se conheceram em 1994, quando ela, então estudante de 19 anos na Uerj, passou num concurso para ser a monitora de uma disciplina que ele dava na universidade estadual sobre a área constitucional.

 

Virou estagiária e depois sócia no escritório de advocacia que Barroso, ou melhor, Luís Roberto, tinha antes de virar ministro do Supremo.

 

Ana Paula tem uma trajetória respeitada entre constitucionalistas. Em abril, foi uma das palestrantes de um simpósio em Harvard que contou com estrelas do Judiciário brasileiro, como o próprio Barroso, além de seus colegas no STF Luiz Fux e Dias Toffoli.

 

Escreveu livros elogiados na área e, ao lado do então futuro ministro, atuou em causas da CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Marcou-a um caso envolvendo direitos de imagem de ex-jogadores da seleção no álbum de figurinhas “Heróis do Tri”, de 1988.

 

Mais espinhoso foi trabalhar com Barroso em uma ação para que gestantes tivessem o direito de interromper a gravidez se carregassem fetos anencéfalos.

 

Como advogado, Barroso representou a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde no Supremo em 2012. Vitória dele.

 

Ela lembra do caso quando a Folha lhe pergunta se a Ana Paula evangélica e a Ana Paula constitucionalista em algum momento se encontram. Não vai mentir: sim, pode ocorrer.

 

“Toda cosmovisão vai perpassar a vida da pessoa como um todo. No dia a dia, não lido com categorias religiosas. Quando há um elemento subjetivo maior, claro que [a fé] influencia.”

 

E isso vale para a religião ou para a falta dela, diz, em seu escritório em uma firma de advocacia carioca. Ou você acha que, digamos, ser ateu não teria potencial igual para sugestionar sua visão sobre determinado assunto legal?

 

Ela já recusou clientes se suas demandas iam contra sua “reserva ética”.

 

“A religiosidade da Ana jamais interferiu na nossa relação”, afirma Barroso. “Em algumas poucas causas, ela me pediu para não atuar, em razão de suas convicções. A defesa das uniões homoafetivas foi uma delas. Uma envolvendo o interesse de uma companhia de cigarros foi outra.”

 

Nem por isso a relação, que sempre foi “afetuosa e transcendente”, saiu abalada, segundo o ministro.

 

“Apesar de eu defender bandeiras progressistas e ter uma concepção totalmente laica do Estado, tenho profundo respeito pela religiosidade. Não é preciso concordar para respeitar o outro.”

 

E há o meio do caminho. Ana Paula, como evangélica, é contra o aborto em qualquer caso que não implique em risco de morte para a mãe (sua rejeição pessoal vale, então, mesmo para situações já previstas pela lei brasileira, como vítimas de estupro).

 

Resolveu assim o conflito interno quando auxiliou Barroso na ação que liberou a interrupção da gestação se houver má formação fetal do cérebro.

 

“Havia uma discussão importante: se é aborto ou antecipação terapêutica do parto de um feto considerado inviável. Na minha convicção, a segunda opção era ok. Era diferente de injetar ácido na mulher, o que seria aborto.”

 

Ana Paula ora todos os dias. Define-se como “cristã praticante” e só começa sua rotina após uma “conversa com Deus”, em geral acompanhada de café com leite.

 

Nas mesmas redes sociais em que divulga suas conquistas no meio jurídico, como o encontro em Harvard, replica notícias sobre cristãos em perigo mundo afora, como o atentado em abril no Sri Lanka que matou centenas. Três igrejas estavam entre os alvos.

 

Nem tudo é desgraça. Em agosto de 2018, compartilhou o flyer da Igreja Resgate, em Massachusetts, estado americano com muitos brasileiros: a divulgação do Encontro de Casais, no qual ela e o marido seriam os preletores. Os dois são pastores da Assembleia de Deus.

 

“Esposas, cada uma de vós respeitai ao vosso marido, porquanto sois submissas ao Senhor…”, dizia o texto de divulgação.

 

Ana Paula, que diz não cobiçar o STF, não viu problema quando Bolsonaro sinalizou que alguém de sua fé deveria chegar lá —nenhum dos 11 atuais ministros se declara evangélico.

 

Para ela, o presidente quis dizer que faria bem à corte um ministro com valores que ele projeta em evangélicos. Seria como o chefe da Casa Branca entender que a Suprema Corte precisa de um conservador para equilibrar o jogo ideológico, afirma.

 

Nas questões morais, a pupila de Barroso enxerga um STF desequilibrado. Aborda o assunto com tom cauteloso. “Não sei se progressista… Não usaria o termo.”

 

Exemplifica: a recente decisão de criminalizar a homofobia. Ali houve “certo consenso que não visualizo na sociedade”, diz.

 

Ela sabe que “o papel do Supremo não é necessariamente refletir” o clamor social, mas mesmo o direito penal se divide sobre o tema. “Estava longe de ser consensual como o Supremo fez parecer.”

 

Ana Paula afirma que Estado laico não pode ser confundido com Estado antirreligioso, que é o caso do francês, que chega a proibir alunas muçulmanas de usar o véu islâmico em escolas.

 

E não teria por que inferir que países que mantêm laços oficiais com alguma igreja, como é o caso da anglicana Inglaterra, obrigatoriamente lesariam a liberdade de outras fés, diz.

 

A receita de laicidade do Brasil lhe parece na medida. Um Estado que garante a autonomia religiosa sem necessariamente escantear símbolos da doutrina majoritária de sua população, a cristã, afirma Ana Paula.

 

Daí não se incomodar com o preâmbulo da Constituição de 1988, que a promulga “sob proteção de Deus”.

 

 

Fonte: Folha de S. Paulo

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